Esse blog foi criado para divulgar o trabalho do Canto Cidadão, Organização Não Governamental (ONG), da qual a Drª Risadinha Risolina é voluntária. Nesta página você lerá textos que expressam as experiências que tenho vivido.



domingo, 2 de março de 2008

O rio da cidade grande

Nessa minha breve vida de doutora fico sabendo de muitas coisas. Esses dias descobri como um hospital continua funcionando em meio ao caos de uma cidade ilhada.
Para quem não sabe, na quinta-feira, dia 21 de fevereiro, o rio Tamanduateí (Santo André) transbordou. Logo, ninguém saía, nem entrava na cidade. O hospital no qual atendemos teve que remanejar seu quadro de funcionários. Fomos ao hospital no sábado, dia 23, e os pacientes contaram que enfermeiros, auxiliares, médicos e quase todos os profissionais que velam por seu bem-estar tiveram que dobrar o turno. Até as visitas não conseguiram chegar. Apesar dos pesares tudo ficou sob controle.

Drª Risadinha:- Vocês que se deram bem. Com as pernas para o ar...enquanto o povo estava na chuva.

Pacientes: - Fazer o que, né? Temos que ter alguma vantagem (risos).

Agora, chamo a atenção para algumas cenas fora do ambiente hospitalar, mas uma prova de que a todo momento precisamos de alguém.

As águas subiram do rio Tamanduateí e o calor humano nas ruas e dentro dos ônibus também. O rapaz que acordou às 4h da manhã dessa quinta-feira estava quase 24 horas sem dormir. Embora, até chegar ao seu destino, em Ferraz de Vasconcelos na madrugada dessa sexta o tempo tenha se completado. A história dele não era muito diferente dos que estavam ali. Inúmeras pessoas ilhadas, alguns passaram mais de 360 minutos de suas vidas dentro de um ônibus. Comer, ir ao banheiro, beber água, era algo impossível para a maioria. Infelizmente ninguém estava no Big Brother Brasil e o prêmio para a prova de resistência não era um carro zero.
Depois de uma longa espera, de andar trechos a pé, ver o túnel da estação Santo André submersa, eis que um ônibus apareceu e saiu em 10 minutos, que na circunstância foi um tempo recorde. Os passageiros comemoraram com vivas e risadas. Afinal, íamos para casa. Mera ilusão, três horas mais tarde tínhamos dado uma volta no quarteirão.
Nessas horas penso sobre as teorias acerca dos moradores das grandes cidades: que se sentem solitários no meio de uma multidão, que são individualistas ou coisas do gênero. Mas não foi isso que presenciei.
Sem que ninguém soubesse o nome do outro, houve uma onda de gentilezas. A senhora que precisava de um bilhete e não tinha dinheiro. Afinal, sair com o passe contado para a viagem é mais comum do que se imagina. As últimas balas compartilhadas para enganar o estômago. A preocupação em saber se o desconhecido precisava de algo ou se sentia bem. O rapaz que daqui a pouco faria 24 horas sem pregar o olho cedeu o lugar para a senhora que havia trabalhado 10 horas em pé e permanecia na mesma posição há quatro.
Mas o receio de quase todo mundo, depois de um longo dia de trabalho eram as possíveis confusões que poderiam ocorrer quando o sangue ferve, aconteceu o inverso. Como é próprio do brasileiro o bom humor reinou até em uma situação tão delicada. E assim as horas passaram, todos em pé, sem ir ao banheiro, sem muito ar. Até o cachorrinho que passeava no colo da dona na rua foi motivo para passar o tempo. – Esse aí está melhor do que a gente, no colo, e chegará mais rápido. Surgiram até planos para vivenciar cenas do filme “Velocidade Máxima”. – Se não tiver mais ônibus no terminal São Mateus (destino) nós mesmos vamos dirigir.
Ah, e o marido ciumento que ligava a cada cinco minutos e pensava que a esposa estava em uma festa por conta do barulho. Os presentes tiveram que ser testemunhas. O plano da senhora em apuro era tecnológico: - Vou comprar um chip e colocar no meu brinco. É pequeno, daí ele poderá me rastrear. Se não fosse sério, tínhamos gargalhado ainda mais.
E a carne comprada no supermercado para o jantar ficou na sacola do supermercado ali, esperando como nós. E era um tal de celular tocando. Famílias, amigos, amantes, todos aflitos. Prova de que a tecnologia também aproxima as pessoas.
Enfim, era a primeira hora do dia 22 de fevereiro de 2008 e chegamos ao nosso destino. Nos despedimos e desejamos boa sorte para os que ainda teriam uma outra viagem pela frente.

A lição foi essa: a cidade grande, às vezes, se faz pequena no interior de um ônibus.

Um comentário:

Taty disse...

Como dizem..o melhor do Brasil é o Brasileiro...e é verdade.

Tem muita gente boa aqui e basta uma situação dificil para que as pessoas mostrem esse lado que as vzs fica oculto.

adorei o texto...ri demais com essas histórias.



Beijos amigaaa